"Como é que eu sou vascaína? Não sei. Amor é assim: você vai atravessando a rua
e de repente vê um cara e ele te olha, você olha para ele e pronto:
apaixonou!
Comigo e o Vasco também foi assim. Mocinha, mocinha,
desembarquei do meu lta, vindo do Ceará.
Era sábado, no dia seguinte me
levaram para assistir a um jogo. Vasco e Fluminense? Acho que sim. Meu tio,
vascaíno, me explicou que o Vasco era uma das mais puras expressões do Rio - o
português-carioca, aqui nascido ou aclimado, nesta cidade que eles fundaram e
que, já antes de D. João VI, amavam apaixonadamente. Foi um jogo difícil, mas o
Vasco venceu. Terá sido aquela vitória suada que me conquistou? Ou a celebração,
a gente num carro de capota arriada (ainda havia disso) atravessando a Avenida,
cantando e soltando vivas ? Não posso explicar. Como já disse, não se explica:
acontece.
E desde aquele primeiro jogo, nunca mais deixei o Vasco. Em
casa o marido era Fluminense - erro dele!
E por mais que Zê Lins do Rego,
o amigo fraterno, fizesse tudo para me arrastar ao Flamengo - até pela imprensa,
no Jornal dos Esportes! Eu ficava inabalável. Edilberto Coutinho sabe disso e
conta.
Dai para cá, nestes longos anos, tivemos de tudo - vitórias, anos
magros, campeonatos (o Expresso da Vitória) lembram? E quando a concentração era
na Praia do Barão, na llha do Governador, nós morávamos lá, a gente se visitava.
E nas vezes em que o time chegava, Ademir, Barbosa, os outros, era a glória do
quarteirão!
Lembro até um episódio dessa época - foi na década de 50? - os anais do clube
dirão. A gente já ganhara o campeonato, mas teve um jogo de arremate; era com o
Olaria, e lá fomos nós, sacramentar o título na tribuna de honra. Mas não sei se
os nossos rapazes tinham comemorado demais na antecipação segura, sei que a
nossa situação foi ficando incómoda: o Olaria estava um brilho só. Não é que o
título perigasse, mas podia ser um vexame. E o mais aflito era o presidente do
Olaria, o hospedeiro, suando no seu terno branco, constrangidíssimo. A sorte é
que de repente mudou, e salvou-se a honra. Todos respiramos - mas o susto foi
grande.
Na noite de festa em que me deram a carteirinha de sócio
honorário, excusei-me de fazer discurso, ao recebe-la, mas fiz uma promessa:
“Juro que jamais a rasgarei em momentos de desespero !” A promessa foi cumprida;
e ainda guardo a minha carteirinha, linda, entre os meus documentos mais
preciosos.
Viva o Vasco!"
(Rachel de Queiroz)
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