"Às vezes, lendo os textos postados aqui no Bahêa Minha Porra, fico lembrando
das histórias que vivi ao torcer por esse time: viagem de 2 dias em ônibus ruim
pra ver o time em Fortaleza, copo de cerveja na cara e escolta da polícia em
Recife (1988), faltar a encontro com namorado para viajar pra Feira de Santana
domingo de tarde… aff… A maior responsabilidade nisso é de meu pai: o véi
Vavá.
O véi Vavá nasceu em 1927, quatro anos antes do Bahêa, em Santo Amaro da
Purificação, e veio morar em Soterópolis logo em seguida. Virou Bahêa assim que
o time foi fundado e comparecia, religiosamente, a todos os jogos… No campo da
Graça, na Fonte Nova e em todos os lugares mais, até no Barralixo…
Ele só vestia roupa azul, vermelha e branca, sendo que qualquer outra cor
soava como traição. Foi sócio fundador do time… Pai de 7 filhos, pensava que
sacrificar seu salário de operário da ferrovia para ajudar a manter uma das suas
alegrias de vida era obrigação.
Eu sou a filha caçula, nascida após a aposentadoria. Por isso, virei sua
companhia no estádio. Ralei muito joelho na arquibancada, correndo e brincando
quando criança, não prestava atenção ainda no jogo e ia junto porque meus irmãos
não podiam ou não queriam ir mais com ele, velho e marrento… Anos depois,
adolescente, habituada e viciada igualmente no time, virei sua companhia de
choro e aprendi a roer as unhas pelo time.
O tempo passou, eu cresci e deixei de ir ao estádio… Mas o véi Vavá não.
Continuou a sair todo domingo, com seu radinho, sua garrafa térmica e sua
almofada. Quando descobriu que tinha o direito, ganhou seu passe livre pra
entrar no estádio, e esse foi uma de suas maiores alegrias. Parecia um menino
ouvindo seu time jogar. Sempre com os comentários de Armando Oliveira, seu
ídolo, na ponta da língua.
Nesse período, passou a levar consigo também seus remédios pra asma. Sempre
com seu Hamilton, companheiro de torcida. Levava também qualquer um que pudesse
acompanhá-lo, inclusive um primo meu, torcedor do Lixória… Sua esperança era
catequizar o cara… Tadinho… Não adiantou, o bichinho tem mau gosto mesmo…
O véi Vavá era tão viciado no Bahêa que seu humor variava conforme o
resultado dos jogos. Uma das primeiras coisas que aprendi foi dormir cedo nas
quartas-feiras quando o Bahêa empatava ou perdia na Fonte… Quando ele chegava,
num tinha papo, quem tivesse pela frente, sobrava!!!!
Eu respeitava tanto isso nele que, mesmo após a idade adulta, nunca arrumava
namorado que não fosse tricolor, porque seria o mesmo que me condenar à
segregação familiar. O mesmo aconteceu com o nome da minha filha, cuja escolha
teve participação do véi Vavá: eu queria que a guria fosse minha xará. Cheguei a
revelar minha vontade em batizá-la de Maria Vitória, para combinar com meu nome,
que significa “o vencedor”, em hebraico. O véi Vavá disse: “Se botar esse nome,
deserdo!!!” Então, a guria virou Daniela, cujo significado é: “Deus é meu juiz”…
E ganhou padrão completo do Baêa, antes mesmo de nascer, pra aprender cedo.
Mas o tempo passou também pro véi Vavá. Em 2002, voltando da rua num domingo,
por volta das 14 horas, encontrei-o parado, a uns 200 metros de casa, amparado
num poste, arfando. Não conseguiu chegar ao ponto de ônibus para encontrar os
amigos. O sentimento de humilhação que vi em seus olhos ao ser amparado por mim,
no retorno à casa, foi indescritível. Esse foi o sinal de que estava acabando
sua jornada na Terra: não vê-lo conseguir chegar a um jogo do Baêa era um marco,
nunca antes visto. Chorei escondida… E ele também.
Mas ele viveu mais um ano ainda: o suficiente para ver muitas vezes, pela
parabólica, os jogos. Seis meses após sua partida, aconteceu a tragédia: o Bahêa
caiu pra segunda divisão, naquele 7 X 0 contra o Cruzeiro. Eu, ouvindo o rádio,
na rua, liguei pro meu marido, que estava em casa e disse, chorando: “Se meu pai
não tivesse morrido, morreria hoje!!!”
O véi Vavá se foi. Mas seu amor pelo Bahêa vive ainda, em mim, em meus irmãos
e em nossos filhos. Ele não tinha herança financeira pra deixar, mas ensinou a
todos nós, desde criança, um grito, um desabafo, que nada mais é do que a
declaração de amor por essa religião que a gente chama de time. BORA BAHÊA,
MINHA PORRRRRAAAA!!!
Valeu, véi Vavá, fica com Deus!!!"